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domingo, 3 de julho de 2016

A clara idade assombrada da poesia de Cabo Verde

João Paulo Guerra, TSF,
9 de Janeiro de 1991, Cidade da Praia

Oswaldo Osório
Inesperadamente, calou-se a algazarra da campanha eleitoral na Cidade da Praia, para ouvir a voz de um poeta. A homenagem ao poeta Oswaldo Osório marcou a abertura de um centro cultural que procura ser um ponto de encontro para os escritores cabo-verdianos.
Oswaldo Osório – pseudónimo literário de Osvaldo Alcântara Medina Custódio – nasceu na cidade do Mindelo, Ilha de São Vicente, em 25 de Novembro de 1937. Clar(a)idade Assombrada, publicada em 1987,  é o seu terceiro e mais recente volume de poesia, sucedendo a Caboverdeanamente Construção Meu Amor (1975), Cântico do habitante. Precedido de Duas Gestas (1977).
A poesia de Oswaldo Osório saiu impressa com a liberdade. Anteriormente, o poeta estivera preso duas vezes por razões políticas.

JPG - Ouvi-o referir-se, na homenagem que aqui lhe foi prestada, à língua cabo-verdiana. O que é a língua cabo-verdiana e o que é Cabo Verde em termos literários ao cabo de dezasseis anos de independência?
Oswaldo Osório – A língua cabo-verdiana é a nossa língua materna. E a língua portuguesa, sem ser para nós uma língua estrangeira, é uma língua segunda, mas é também a língua oficial. A língua cabo-verdiana tem passado por vários tratamentos de natureza linguística de modo a torná-la mais plástica na literatura escrita. E tem sido feito um grande esforço no sentido da modernização da língua, estabelecimento de regras, etc., que certos jovens, como por exemplo Tomé Varela, têm vindo a investigar no campo da oralidade e escrevendo totalmente em língua cabo-verdiana.


JPG – E há já uma literatura em língua cabo-verdiana?
Oswaldo Osório – Sempre houve uma literatura cabo-verdiana a par e passo da literatura escrita em português. Essa literatura cabo-verdiana diz mais respeito às tradições orais de todas as ilhas.
JPG – Como se têm dado os criadores, nomeadamente os criadores literários, os escritores, com o regime político do pais?
Oswaldo Osório – É sempre difícil falar do relacionamento entre o poder e os escritores. Por um lado, é um aspecto teórico com as suas divergências de pontos de vista entre diferentes escritores; no aspecto prático é ainda mais delicado falar neste assunto. Mas posso dizer que eu tenho escrito com toda a liberdade. É certo que eu tive uma fase, antes da independência e mesmo pós independência, em que a minha poesia era mais comprometida. Ultrapassei completamente essa fase com o meu livro Clar(a)idade Assombrada, que foi publicado em primeira edição em 1987 ou 1988. E o que eu foco é a liberdade. Nós não queremos mais cadeias em ilhas. Sempre houve quem não se comprometesse, com a liberdade e a independência, mas houve também os que tiveram essa coragem.
Oswaldo Osório entre a esposa e o actual Presidente de Cabo Verde,
Jorge Carlos Fonseca
JPG – Houve no entanto poetas de Cabo Verde que estiveram na luta pela independência e depois se afastaram do novo regime. Foi por divergências ideológicas ou por incompatibilidade estética?
Oswaldo Osório – Só conheço um caso de um escritor que saiu do país e decidiu viver em Portugal. Mas foi porque quis, ninguém correu com ele. E ainda há dias esteve cá de visita e para trazer o apoio de cabo-verdianos que vivem em Portugal à candidatura de Aristides Pereira.   
JPG – O título Clar(a)idade Assombrada tem uma ressonância com outras Claridades da literatura cabo-verdiana.
Oswaldo Osório – Sim, o título tem uma dupla leitura. É Clara Idade e é também Claridade. Claridade Assombrada. As coisas desejadas que não se faziam ou que ainda não se fizeram. É o homem deslumbrado com o tempo em que vive. 
JPG – Mas Claridade remete para a história literária de Cabo Verde, a revista Claridade, publicada nos anos 30 e 40, os poetas da geração da Claridade, os chamados Claridosos, que seguiam o caminho dos neo-realistas portugueses … 
Oswaldo Osório – É uma leitura. Aceito essa leitura.
JPG – Formalmente, pelo menos, tem essa leitura.
O mais recente livro de Oswaldo Osório,
As Ilhas do Meio do Mundo, Novembro de 2016
Oswaldo Osório – Admito que sim, que possa ter também essa leitura. Mas a dupla leitura do título de que lhe falei há pouco é: Clara Idade e Claridade.
JPG – É um novo Claridoso?

Oswaldo Osório – Não, não sou, de modo nenhum.
JPG – Então, onde se situa a sua poesia?
Oswaldo Osório – A minha poesia é uma viagem.
JPG – E a viagem da poesia cabo-verdiana navega em que sentido?
Oswaldo Osório – Em vários sentidos conforme a utopia que vive em cada escritor.
JPG – O primeiro-ministro de Cabo Verde disse ao inaugurar este centro que se trata de um ponto de encontro para os escritores de Cabo Verde. Também há pontos de desencontro?
Oswaldo Osório – Necessariamente. Sempre haverá pontos de desencontro. E é bom que assim seja.

João Paulo Guerra, TSF,
9 de Janeiro de 1991, Cidade da Praia 
Fotos de Brito-Semedo publicadas na Internet

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