O Serviço de Noticiários do RCP nas páginas da revista Antena: Luís Filipe Costa, Paulo Fernando, Manuel Bravo e Firmino Antunes. João Paulo Guerra, Carlos Manuel e Fernando Quinas. |
2011 / 2012,
no blogue
“KUANDO OS RÁDIOS ERAM CLUBES”,
de PAULO
"Tac Tac" FERNANDO
Nos idos de 60/70, como grande parte dos jovens desse tempo, houve uma fase
em que usei grandes barbas e cabelame que me faziam parecido com o baterista
dos Marretas. A verdade é que ninguém tinha nada com isso. E menos ainda o
director dos serviços de censura interna do RCP, António Augusto Moita de Deus,
o Arbusto Divino, ou o Moita-Carrasco, conforme os gostos. Ele que cortasse
textos ou fitas de arrasto; na minha barba e cabelo não tocava.
Pois certa vez, estando eu a tomar um abatanado no
bar O Coice, lugar mal frequentado por gente de rádio e
acompanhantes, entrou o Moita e rosnou, como era seu timbre. Vinha sozinho. A
esposa também frequentava O Coice, onde pedia habitualmente uma
sandes aparada e, para beber, um Triplice, assim chamado em
português corrente ao licoroso Triple sec. Verdade. Há testemunhas.
Ora naquele dia, o Moita, que ainda não tinha embirrado com ninguém,
decidiu investir contra mim.
- Você, ahn, com esses cabelos e essas barbas, ahn, qualquer dia nem as
mulheres olham para si.
Respondi-lhe delicadamente, em voz muito baixa:
- Elas não olhariam para mim se eu fosse…
E depois, colocando e elevando bem a voz de locutor:
- … Estúpido.
O pessoal que frequentava O Coice naquele momento só ouviu
a última palavra, gritada sonoramente na cara de Moita. E então não é que ficou
a constar no Rádio que eu tinha chamado estúpido ao Senhor Moita de Deus?
Mas eu era lá capaz de chamar estúpido ao estúpido do director da
censura?!
j.p.g.
QUINTA-FEIRA, 3 DE NOVEMBRO DE 2011
Kuando Moita se sentia
em apertos, chamava pelo Dr. Martinha, uma espécie de delegado do governo junto
do RCP.
E Moita de Deus chamou o Dr.
Martinha kuando não soube o que fazer com uma entrevista a
José Cardoso Pires, no lançamento de O Delfim. Ouviram e voltaram a ouvir a
entrevista, montada com a leitura de excertos do romance, e não sabiam o que
cortar. Por fim, comunicaram-me que a entrevista era autorizada, mas com o
corte de uma passagem de texto do romance. Ao que lhes respondi que teriam que
falar com o autor do livro, pois iam cortar uma passagem de um texto publicado.
Cardoso Pires acedeu deslocar-se ao RCP
- onde aliás passava com frequência - e deu a volta às cabeças dos censores.
Passou tudo: o discurso directo da entrevista e o discurso indirecto do
romance. Inclusive a frase em que os censores pressentiam um sentido oculto:
«Espalmada na inscrição imperial, havia uma lagartixa. Parda, imóvel, parecia
um estilhaço de pedra (…) um estilhaço sensível e vivaz debaixo daquele sono
aparente. Pensei: o tempo, o nosso tempo amesquinhado».
O Moita era intocável. Mas nem o
Martinha era inquebrável… j.p.g.
SEXTA-FEIRA, 4
DE NOVEMBRO DE 2011
Aos domingos, no RCP, houve durante
algum tempo um grande noticiário de informação desportiva lido a duas vozes. A
recolha da informação era do Firmino Antunes, que sacava resultados de clubes
quase desconhecidos em modalidades e escalões praticamente ignorados. Estava lá
tudo. Quanto às duas vozes eram de quem calhava de serviço. Certa vez, estavam
de plantão ao noticiário o Paulo Fernando e o João Paulo Guerra,
escasseava a informação de outras modalidades mas abundava a da Volta a
Portugal em Bicicleta. Lemos a classificação da etapa até ao vigésimo lugar e…
não resistimos:
Os ciclistas Paulo Fernando e João Paulo Guerra na actualidade |
11º Paulo Fernando, disse o João Paulo;
12º João Paulo Guerra, respondeu o Paulo; nos lugares seguintes entraram os
técnicos de serviço do outro lado do vidro, o Oliveira, o Gomes ou o Leal, de
serviço à portaria, o Barata, atarantado atrás do balcão do bar. E ao 20 º
lugar lá retomámos a classificação real: 20º Perna de Coelho, disse o Paulo
Fernando, acrescentando apenas um de ao nome de um conhecido
ciclista do Benfica, Joaquim Dionísio Perna Coelho.
Perguntarão: então e a direcção, não deu
por nada? Deu. Ligou um director, o Moita, o da Censura, a perguntar que brincadeira era aquela? Como
se houvesse algum ciclista chamado Perna de Coelho, ou Perna Coelho, ou lá o
que era!? Com certeza. Paulo Fernando e João Paulo Guerra é que eram ciclistas
de grande pedalada, com certeza. Jpg
QUARTA-FEIRA, 9
DE NOVEMBRO DE 2011
António Videira, João Paulo Guerra, Luís Filipe Costa, João Macieira de Barros e Paulo Fernando |
Eram duas bobinas de fita de arrasto e
eu não sabia como ouvi-las, lá, em Nampula. Até que o meu comandante de
companhia me anunciou que tinha em casa um gravador de fita e era só questão de
combinarmos o serão. O capitão juntou a família e eu cheguei com as bobinas. A
primeira frase levou-me, porém, a carregar apressadamente no stop. Era a voz do
Fernando Curado Ribeiro que lançava o aviso à navegação: «Afastem as mulheres e
as crianças».
Cândido Mota, Luís Filipe Costa, João Macieira, Paulo Fernando e JP Guerra |
Conhecendo, como conhecia, o pessoal do
RCP, pensei que seria recomendável seguir o conselho. Como se comprovou quando
eu e o capitão ouvimos sozinhos as rubricas de um programa para adultos e com
sérias reservas. Do melhor em termos técnicos e de arrebimba-o-malho em
matéria de conteúdo.
LuÍs Filipe Co |
SEGUNDA-FEIRA,
14 DE NOVEMBRO DE 2011
Kuando os rádios eram clubes a
radiodifusão não teria cursos nem diplomas, o que não significa que não tivesse
criado escola, estilos e memória. E que não seguisse uma teoria e uma prática
da escrita e da linguagem. Jaime da Silva Pinto (na foto ao lado), um dos mais antigos dos nossos
mestres no velho RCP, não perorava sobre teorias. Mas ainda hoje não haverá
assim muitos exemplos de quem, como ele, dominasse a técnica de contar uma
história através da rádio. "Era uma vez..."
Bom, eu comecei, outros que sigam a
história. Porque sobre o bom e velho Jaime da Silva Pinto muitas histórias
haverá para contar. JPG
SÁBADO, 24 DE
DEZEMBRO DE 2011
João Paulo Guerra, Paul McCartney, João Mendes Martins, Óscar Araújo |
Em Dezembro de 1968, uma breve na capa
do Diário Popular chamou-me a atenção para a chegada de Paul McCartney ao
aeroporto de Faro. Eu trabalhava no PBX e vi ali a hipótese de um grande furo.
Desafiei o João Mendes Martins, do Impacto, cravámos apoio técnico e boleia ao
Óscar Araújo e pela madrugada partimos para o Algarve, apertados no Carmen
Ghia do Óscar. Foi quase à sorte que decidimos começar pelo
Barlavento, à procura de um Beatle nos 150 quilómetros da costa algarvia, e que
exlcuímos as praias mais frias perto de Sagres. Seriam umas 8h 30m quando
parámos na Praia da Luz para o pequeno-almoço.
 porta do café, com vista para a praia,
um motorista de táxi lia o Popular da véspera. Metermos conversa: "Então
já viu que um dos Beatles anda aqui pelo Algarve?" Íamos caindo para o
lado quando o motorista respondeu que até admitia que o Beatle estivesse ali
mesmo, pois na casa sobre o areal vivia um ingês ligado aos famosos músicos de
Liverpool.
Encontrar Paul McCartney já seria um
achado. Encontrá-lo à primeira seria a sorte grande.
João Paulo Guerra, na foto com Paul McCartney (continua nos comentários)
Linda Eastman McCartney fotografa Óscar Araújo, Paul e João Mendes Martins e são todos fotografados por Inácio Gravanita, fotógrafo do turismo local |
Quando Paul, Linda, o outro casal e a miudagem se instalaram
na praia a entrevista já estava apalavrada com o Beatle. Muito afável e
comunicativo, Paul acedeu a dar a entrevista que se prolongou por cerca de uma
hora.
Passava pouco do meio dia estávamos a ligar para Lisboa: "Temos a entrevista". Ninguém quis acreditar. Mas nessa noite, no PBX, montada em directo, a entrevista foi para o ar.
Perdi a gravação mas o José Nuno Martins encontrou-a nos arquivos do Luís Alcobia. Não voltei a ver o Paul. E há muito tempo que não vejo nem o Mendes Martins nem o Óscar Araújo.
Também não vejo nada parecido com aqueles tempos loucos e heróicos. JPG
Passava pouco do meio dia estávamos a ligar para Lisboa: "Temos a entrevista". Ninguém quis acreditar. Mas nessa noite, no PBX, montada em directo, a entrevista foi para o ar.
Perdi a gravação mas o José Nuno Martins encontrou-a nos arquivos do Luís Alcobia. Não voltei a ver o Paul. E há muito tempo que não vejo nem o Mendes Martins nem o Óscar Araújo.
Também não vejo nada parecido com aqueles tempos loucos e heróicos. JPG
SÁBADO, 21 DE
JANEIRO DE 2012
Este blog ficava garantido até ao fim
dos tempos se conseguisse contar por inteiro a história que envolveu um jovem
estagiário do início dos anos 60, mais tarde editor de um jornal de referência,
num caso que John Le Carré não desdenharia ter inventado. Uma história de
kuando os rádios eram clubes. Tudo começou na sala onde então funcionavam os
Noticiários do Rádio Clube Português. O jovem entrou com o ar despachado de
repórter de banda desenhada e perguntou, como usava fazer: "Então o que é
que há?" Suponho que o pontapé de saída partiu do Paulo Fernando,
inventando em directo e ao vivo uma estranha história de espionagem, com escala
por Lisboa, onde se acoitava um cientista criador de um engenho que sugava
submarinos no Mediterrâneo. O Luís Filipe Costa continuou: a Censura não
deixava dar a notícia, pois o almirante Tomás partira nesse dia por via
marítima para S. Tomé onde, mal ele saberia, iria desembarcar heroicamente na
praia do Pantufo.
Américo Tomás de regresso do Pantufo |
O jovem estagiário - que não era
propriamente estagiário do Rádio mas apenas alguém disponível para cobrir umas
sobras da agenda -, estava em pulgas. Situação que o Paulo Fernando exacerbou
descobrindo o endereço do cientista na lista dos telefones: aquilo era a guerra
do Médio Oriente ao vivo em Lisboa. O jovem lá se meteu a caminho, de gravador
pronto a entrevistar o cientista. Voltou desanimado: no endereço em questão
bateram-lhe com a porta na cara, pois ninguém admite às boas a condição de
cientista que suga submarinos no Mediterrâneo.
O caso prosseguiu durante mais de um mês,
envolvendo grande parte do pessoal do Rádio e amigos nossos do Diário de
Notícias e da TAP - o que permitiu a internacionalização do conflito. O jovem
tanto recebia ofertas milionárias pela "reportagem" que não tinha
como ameaças de morte, chegando mesmo a ser seguido durante dias por um
indivíduo com pinta árabe, transportando uma caixa de violino, isto é, uma
metralhadora. De meia em meia hora ligava para o rádio a dizer onde
estava e para onde ia. Alguém lhe explicou piedosamente: "assim, kuando
fores raptado, sabemos mais ou menos o local e a hora". E a brincadeira
assumiu tais proporções que kuando a quisemos desmentir... não conseguimos
explicar toda a trama que lançáramos e da qual perdêramos a mão. Ou o pé.
João Paulo Guerra (e agora, haja quem siga a história)
SEXTA-FEIRA, 27
DE JANEIRO DE 2012
Fialho Gouveia e Carlos Cruz |
A neve dá alguma euforia às pessoas e
toda a gente dizia e fazia coisas que habitualmente não faz, o que muito
enriquecia a reportagem. Mas o máximo aconteceu no exterior da estação do
Rossio, onde consegui convencer um agente da Polícia a declamar para o gravador
a Balada da Neve, de Augusto Gil, da qual o cívico, com alguma ajuda que lhe
dei, se recordava dos tempos da escola primária.
Fialho Gouveia, João Paulo Guerra, José Nuno Martins |
E era ver a cara das pessoas que
entravam e saiam da estação, a observar um polícia, de microfone em
riste a declamar em voz bem audível e em diferentes tons, repetindo
pausadamente o mesmo verso do poema - "batem leve, levemente..." -
sublinhado com gestos a condizer: "Batem leve, levemente...",
"Batem leve, levemente...", etc.
E o pessoal a lembrar-se quão levemente
eles batiam quando soava a hora do chanfalho. JPG
QUINTA-FEIRA,
22 DE MARÇO DE 2012
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